Tuesday, October 20, 2015

Andrés Ordoñez

O acaso de um amigo poeta ir  de viagem até ao México, fez-me procurar nas estantes um livro de poemas de Andrés Ordoñez, estudioso de Pessoa, Professor universitário durante uns anos até mudar de carreira e optar pela de diplomata.
Mas sem que isso em nada modificasse a alta qualidade da sua escrita.
Memorias de Viaje, publicado em 2003 no México, é exemplo do que digo.
Quem leu Octavio Paz, e outros, sabe que é grande a dimensão dessas literaturas longínquas, de que pouco falamos no nosso cantinho, sem as ler, sem as traduzir para português - pois nem todos saberão entender a língua castelhana.
Andrés, nascido em 1958, é já de uma nova geração que tem boa e profunda leitura assimilada de autores do ocidente europeu, do oriente dos Haiku depurados - o todo transparecendo aqui e ali num ou noutro verso, numa ou noutra imagem.
Reli o livro, que já tinha lido quando este amigo do longe mo ofereceu, ao passar por Lisboa.
Abre com uma  epígrafe de Yves Bonnefoy, cuja obra também muito admiro: "mais s'arreter mêt fin à toute illusion".
O primeiro núcleo de textos tem por título EL VIAJE. Daí a citação de Bonnefoy. Parar seria morrer, pois como pode um poeta viver sem ilusões? A começar pela ilusão da perpétua busca da palavra, que ao abrir-se no poema o ilumina a ele, e a quem o lê?
Eis o início, conciso e cósmico de dimensão ampliada:
Una cinta de luz separa el macizo de estrellas.
Mi vida es una ventana abierta.
Apercebo-me, pela leitura dos poemas seguintes, que é de Lisboa que atravessadamente se fala: Belém, navios ao longe, gaivotas-pensamento, e a cinza do dia que se afoga no mar:
La ceniza del día se ahoga en el mar.
Cita o poeta Jorge Manrique numa outra epígrafe, abrindo um poema em que rio e mar se fundem, e ele se apercebe dessa união pela janela do seu quarto "de cortinas sossegadas".
Neste conjunto habita uma grande tranquilidade feminina, um certo silêncio que nem a neblina do porto consegue perturbar.
Visita-se a cidade: Alfama, o castelo de S.Jorge, recantos de vielas de barcaças eternas.
E abre-se novo ciclo: LOS DÍAS, com epígrafe de W. Wordsworth: "and I could wish my days..."
De novo um pequeno haiku, e um verso de imagem final bem luminosa e solar:
El sol es una mandarina en labios del sueño.
Mas nem tudo se mantém, ao longo da dizer do poeta, assim magnífico e feliz.
Os dias variam, na dimensão das emoções, cadáveres dão à praia, há corações que sofrem, na vivência da cidade "A vida é um fingimento atroz".
No ciclo seguinte, da FLOR INMÓVIL, há um outro momento em que me parece encontrar Walt Whitman, quase como Pessoa, o Mestre de todos, o terá encontrado:
entre a água (eterna) e o pranto (não menos eterno).
"Entre os dedos de Março", vem o poeta com um beijo guardado desde sempre, a nomear cada qual com seu nome distinto, a água e o pranto. E na fusão sensual:
 a pensarme bebido por la hierba
jubilosamente bebido por la hierba 

É nos POEMAS DEMENTES que a reflexão sobre a vida que passa, a morte que vem, toma amplitude maior.
E não podendo, neste pequeno post, comentar o Todo do livro, ficarei para terminar com este poema que muito me comoveu, tão carregado está da substância de um tempo que se gelou no Tempo e não podemos esquecer (evocando in memoriam Paul Celan). Aqui se diz o dizer, o nomear das coisas, o abraço em segredo no regaço perfeito do silêncio, " A madeixa escura do tempo".

Pone en mis labios
el nombre de las cosas
y con el mismo amor
me nombra enredado en el secreto
de los muslos suyos y sus abrazos.
Silencio, dice...
La guedeja oscura del tiempo.

O nome das coisas, dar o nome de cada um a cada um, no espaço e no tempo de Ser que lhe foi concedido.
Experiência terrível, experiência temível, essa de nomear, ocultamente, em silêncio...
Impossível não evocar Paul Celan, que Andrés certamente leu.





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