Friday, November 23, 2012

Afinal quem é o Rúben?

Durante uns anos aparecia e desaparecia, a propósito das suas investigações para uma tese sobre Fernando Pessoa.
No intervalo trabalhava: era jovem, tinha vindo sozinho para Lisboa, dava aulas para ganhar a vida.
Reservado, pouco dizia do seu quotidiano, antes falava da professora espanhola que o queria doutorado mas dizia não saber nada de Pessoa. Porquê escolher Pessoa, tanto grande poeta em Espanha....sou eu que quero Pessoa, respondia o Rúben: o pensamento hermético.
A aventura durou anos e anos de estudo: difícil não era o nosso poeta, era entender bem o que significava pensamento hermético, no seu caso. Pelo meio deu-me a notícia de que se ia casar com uma jovem muçulmana. Parecia ter algum receio de que eu não recebesse bem a notícia. Pelo contrário, desejei as maiores felicidades. Falei-lhe de Ibn'Arabi. Perguntei se conhecia a novela e o romanceiro do Abencerragem, que já existia em edição moderna, da ed. Cátedra. A mais bela história de amor de todos os tempos.
Não há melhor do que amar e ser amado, e em matéria de amores Fernando Pessoa não era a melhor companhia para um jovem como ele.
Subitamente deixei de ter notícias. O Rúben não telefonava, não tocava à campaínha, não pedia mais livros.
Voltou para casa, pensei. Dos livros pouco me importei: se tinham sido úteis, tanto melhor. Teria feito a tese?

Pois foi hoje, num fim de tarde frio, cinzentão, que o Rúben reapareceu: tocou à campaínha, vi na imagem que era ele, mais magro, de cabelo rapado, como agora se usa.
Abri a porta, fingi que lhe apontava uma arma para o matar.
Ele ria.
Queria trazer-lhe os livros.
Trouxeste? Dá cá.
Não, são muitos, queria combinar um dia.
Manda pelo correio.
São muitos, fica um embrulho enorme, preferia vir cá, mas perdi o seu telefone.

Dei-lhe o meu telefone.
Perguntei: continuas em Portugal?
Sim, e acabei a tese, depois podemos falar.
Não sei, tenho andado ocupada.
Eu telefono a saber.

Tinha pressa, ia dar aulas, tinha o horário nocturno de outrora, o mesmo.
Deu-me um beijo, a barba mal cortada como agora se usa, uma barba que pica.
Disse-lhe, à porta do elevador: que modas, rapam o cabelo e deixam a barba mal aparada!
Riu e fechou a porta.
Telefona para a semana.

Um jovem bem educado, elegante, com o Fernando Pessoa às costas e às voltas. Eu tinha prevenido: começas e nunca mais acabas. Não te vês livre dele.
E cá estamos em Novembro, tarde desagradável, a chegar perto do dia em que o poeta nunca mais disse adeus... seja a mim, seja a outros...

Não sei quem é o Rúben e ainda hoje mal sei quem é o Pessoa, poeta e hermético quanto baste.
Mas sei quem sou, agora: dez anos mais velha e dez quilos mais gorda.


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