Monday, August 13, 2012

Começar...

Abri há anos este blog para um grupo de alunos que sendo ilustradores queriam escrever os seus próprios textos.
Um deles perguntava : há uma idade que seja a melhor para começar?
Não, claro que não.
O impulso de escrever surge, como qualquer impulso, de forma algo imprevisível. É uma voz "outra" que deseja falar e toma conta de nós, levando a que se escreva, como na pintura levará a que se pinte, ou se desenhe, ou na música a que se aponte o acorde, enfim, se dê resposta a algo que se tornou premente.
Uns falam de "inspiração", outros de "projecção do inconsciente", como acontece nos sonhos, que os Surrealistas seguidores de André Breton e do seu Manifesto de 1924, abordam como fonte primeira de toda a inspiração e manifestação criadora, ao mais alto grau.
O inconsciente teria pois uma linguagem própria,uma voz nascida das trevas, da escuridão (por ser desconhecida) da nossa psique, contudo riquíssima em imagens, símbolos, arquétipos universais (sendo que este já é um termo herdado de Jung, discípulo de Freud).
Lidamos pois, com a escrita, como nas outras artes, com um imaginário simbólico e arquetípico, que surge devido a algum impulso oculto, primitivo, ou mesmo primordial - se se puder a-posteriori explicar por determinadas memórias e contextos religiosos e culturais, como o da Grande-Mãe, por exemplo.
Não respondi à pergunta da idade:
a idade não importa, o desejo, a alegria, a entrega de escrever surge em qualquer idade. A questão é antes como depois continuar.
Há casos de quem tenha começado muito cedo, aos onze, doze anos, com as primeiras experiências de verso ou de prosa; claro, não significa que aí se tenha revelado a obra-prima, apenas se revelou o desejo de escrever.
Rilke, um dos grandes poetas da literatura universal, escreve, dando conselhos a um jovem poeta que não escrevesse (seria perda de tempo) se para ele a escrita não fosse sentida como uma questão de vida ou de morte. Só assim valeria a pena, começar....e continuar.
Diz-se que o primeiro verso é dado (alusão ao impulso inspirado) mas tudo o mais é "transpirado"....isto é, o trabalho de "sublimar" o que apareceu como se fosse fácil, e a continuação do que se pretenda dizer, exigem já outra capacidade de autocrítica, de distanciamento em relação à obra em curso, e na verdade muita cultura e literatura absorvida e interiorizada.
Não se iluda quem deseja escrever: leia muito, leia tudo. A leitura, o convívio habitual com os maiores do que nós, educam-nos o raciocínio, formam e depuram o estilo, ajudam a entender o que é novo (e por isso com  o nosso contributo ampliamos horizontes) ou o que, tendo já sido feito não deve ser repetido nem apresentado como se fosse novo.
A boa escrita passa também por essa qualidade : a honestidade intelectual!
Pediram um exemplo meu: na realidade publiquei o meu primeiro livro de poemas em 1961, aos vinte e um anos, mas já os tinha escrito uns anos antes, alguns aos dezassete, outros aos dezoito ( e outros até antes, mas nunca publiquei).
Escolho este exemplo do quadro de Chagall, Les Mariés de la Tour Eiffel: a bela imagem do par flutuando feliz como acontece em tanta da pintura de Chagall despertou em mim, na altura, logo um primeiro verso e a seguir o poema inteiro, qua anotei. Bem diferente da sugestão do quadro...e bem de acordo com o que eu sentia, quando jovem, sobre o modo como se desenrolavam as relações amorosas ( e sociais)...Ora leiam:
Pedido de Casamento
Venho pedir a mão de sua filha
disse o jovem tímido olhando para o chão
Porquê a mão?
Porquê ? porque é costume
é a tradição
o meu avô pediu a mão de minha avó
o meu pai pediu a mão de minha mãe
portanto eu peço a mão de sua filha
é lógico é humano é natural
é como deve ser
é convencional...
Só não é original
mas seja disse o pai depois de meditar
pode levá-la mas trate-a com cuidado
era de estimação a mão
como pode calcular...
O jovem abriu e fechou a boca repetidas vezes
admirado
enquanto o velho pai que tinha ideias suas
foi buscar a faca da cozinha
e trouxe para a sala a mão da filha
sòzinha
 (in OPUS 1, 1961)

Deixo à imaginação dos leitores o entendimento do que escrevi; apenas digo o que eram as minhas leituras nessa época:
 Os surrealistas, e
 Jacques Prévert, que devorava, literalmente!
E já agora reparem que da noiva só se vê uma mãozinha....estavam mesmo a pedir o poema!

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