A partir de certa altura, certa idade, o problema que se pode pôr, a alguns escritores, já não é o de começar, mas o de continuar.
Tanto se escreve, tanto se publica (será que tanto se lê ou apenas se vende nas primeiras semanas?); continuar valerá a pena?
Bem sei como todos os que escrevem sabem, no seu íntimo, que escrever é ir dizendo sempre a mesma coisa, aquela emoção, aquele impulso forte que nos puxa a mão para o papel (ou para o computador) e que parece que nunca chegam a ser expressos por completo.
Mas falo agora do alto dos meus mais de 70 anos: não terei já dito o que valia a pena? para mim, em consciência, ou para os outros, que ali me tenham descoberto?
Distingo entre a prosa de ficção - em mim sempre cortada pela vida real, que irrompe, lembrando que a vida é mais importante do que a ficção - e o teatro ou a poesia. Esta será infindável, enquanto eu existir, porque no caso da poesia ela é a vida que irrompe e a palavra transforma: dela não poderei, quando surge o poema, abdicar nunca, seria o mesmo que um suicídio.
Mas das outras formas sei que posso abdicar.
Basta dizer já chega, agora é ponto final. Lugar aos jovens, é a vida deles que segue em frente, a minha acaba aqui.
O que farei? Disfrutar de tudo o que pus de parte para poder escrever, a deshoras, de repente, aproveitando este ou aquele espaço livre, ou de energia, que mitas vezes não tinha.
A primeira decisão: já não viajo.
Convidam-me, e não digo que não tenha pena de recusar: fui sempre alguém de ir, de ver mais e mais longe, de ver tudo...
Mas agora teria de dizer algo de difícil a quem me convida: não poderia ir sozinha, teria de ir com alguém, uma espécie de secretária/o permanentemente ao meu lado (estou a ver muito mal, perco-me, assusto-me, adoeço!). Dizem: é só um ataque de pânico, isso trata-se.
A melhor recordação que guardo é a de Macau e da China, onde tive todo esse género de apoio: dizem, mas não falavas a língua, aí perdias-te de certeza!
Mas neste momento o mundo (a sociedade em que vivo) é um país tão estranho quanto a China era para mim nessa altura: não entendo o meio (ainda que seja o meu suposto meio literário), perdida a elegância, a gentileza generosa, e a quem conheço bem não quero incomodar com os meus incómodos. Sinto por todo o lado uma voracidade muito semelhante (contaminada? ) à da política, que profundamente abomino.
Assim, retiro-me. A meu lado há muita vida ( a alegria e o riso dos que amo) e a vida continua.
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