Os meus primeiros poemas, de que fiz uma escolha para publicar em 1961, têm muito do diálogo que se estabelecia entre mim e os poetas que lia, os pintores que admirava e que eram, à data, sobretudo Jacques Prévert, Henri Michaux, Boris Vian, e Marc Chagall como pintor de quase iniciação.
Nos quadros de Chagall acedia-se a um imaginário tão lírico, tão livre, tão intenso, que de repente eu sentia nascer em mim essa mesma liberdade. E escrevia, correspondendo a esse movimento de alma.
Ficou-me até hoje o prazer da relação com outras artes:
da palavra, da imagem, dos belos sons da música (clássica, jazz, bossa-nova).
O diálogo é permanente, embora, como é óbvio, eu não escreva agora como escrevia outrora.
Outrora eu vinha de Paris, minha segunda cidade, cheia de energia e de "luz" criadora, para desembocar numa Lisboa tristonha, burguesa, fechada a tudo o que lhe fosse ainda (in)diferente. Os meus poemas destoavam.
Mas descubro agora, através de amigos muito mais jovens, que há novos leitores a quem os poemas agradam.
Coloquei dois desses poemas no blog de literatura e arte; mas achei que neste espaço, onde discuto um pouco o que é a criação na escrita, poderia explicar de que modo me surgiam ideias e imagens, que não sendo de modo nenhum copiadas iam beber à mesma fonte, da alegria e da liberdade parisiense (Chagall também vivia em Paris) enquanto em Portugal a ditadura demorava a ter o seu poente.
O CAFÉ
Sentadas nas mesas do café
as pessoas olhavam sem ver bem
e no olhar semi-adormecido
iam passando em série
os ódios pequeninos, quotidianos
como um enterro de terceira classe
lento e grave
seguido por dois cães de luto
e um chapéu funerário sem cabeça
(in Opus 1, ed.Ática, 1961)
Repare-se no contraste: de Paris vinha a emoção do amor, com Chagall, com Prévert; mas de Lisboa só a melancolia dos cafés...
Repare-se no contraste: de Paris vinha a emoção do amor, com Chagall, com Prévert; mas de Lisboa só a melancolia dos cafés...
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