Esta peça de teatro de Luísa Costa Gomes, Dias a Fio, estará no Teatro São Luiz até ao dia 20 de Novembro.
Enredo simples, encenação descomplicada e engenhosa, de Ana Tamen, como já acontecera há anos com outra peça da mesma autora, Nunca Nada de Ninguém.
Preparem-se para rir, com a verve dos diálogos e das situações descritas.
Depois, pensando melhor, talvez chorar um pouco.
A peça é um Fresco da sociedade actual dominada pela voracidade do ganho, mesmo quando já não há nada para ganhar, do lucro imediato sobre a imediata necessidade de alguém - seja um arrivista ou um destituído, mas que precisa de ter e de que "os que sabem" (os "empreendedores") se aproveitam: como por exemplo na venda de um poço com soalho flutuante, ou de uma garagem com estacionamento em frente.
De exemplo em exemplo,de ideia engenhosa em ideia engenhosa, acabará uma das protagonistas assassinada pelo marido da outra, e ao aparecer em fantasma à amiga e competidora de outrora leva-a a exclamar, com entusiasmo: ah. mas abre-se aí um enorme espaço de oportunidades....pensa nisso.
Diverti-me imenso e quem me conhece sabe que sou fã da obra de Luísa Costa Gomes, desde os seus primeiros Contos de Sobressalto, e até hoje.
Mas qual a razão de trazer aqui esta proposta de ida ao teatro que acabará por certo em proposta de leitura, quando sair o livro?
Uma razão muito simples e que se prende com o exercício da Escrita:
O bom escritor não vive em torre de marfim, alheado do mundo; o bom escritor capta o real na sociedade que o rodeia, com a qual vive e convive diariamente.
Quantos anúncios de compra e venda de casa não terão levado a autora à crítica transformada em riso desta peça? Quantas situações de famílias disfuncionais ao jantar a três, de pai, mãe e filho numa cena que evoca Ionesco no seu melhor? Quantos diálogos ouvidos ao acaso numa esplanada?
Por outras palavras: escrever é escrever o mundo: seja o mais íntimo, da nossa alma, ou o mais exposto da sociedade em redor.
Respondo assim a alguns dos meus alunos que me perguntavam: escrever como?não sei sobre o quê!
O quê, o como, estão todos os dias - dias a fio - à nossa disposição.
Ah, é preciso olhar, é preciso não ser indiferente, é preciso reagir, aprender a reagir e depois o resto acontece com o treino de mão.
Ler ajuda, claro. Ler sempre, ler muito.
E ver: neste caso ver pelos olhos atentos de Luísa!
Nesta peça - além do riso pantagruélico - há um olhar que não teme, um olhar que não se desvia.
E na exposição de vida que é um palco, com todos os elementos que o habitam (aqui entra a parte do excelente desempenho dos actores e do carinho de toda a equipa de produção) encontramos finalmente as bocas que não calam!
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