Saturday, October 15, 2011

Almas, com dedicatória especial ao António

A reacção de um amigo escritor ao pequeno poema que lhe enviei, Almas, e a seguir transcrevo, levou-me a várias considerações sobre o acto de escrever, a mão que escreve, a origem do impulso que dirige o tema, as ideias, as imagens...Dizia o meu amigo que o poema transcende a esfera do seu entendimento e que ele é mais da prosa do que da poesia. Claro que estava a brincar.
Eis o poema:
Para que alma voltamos
na hora de partir:
há uma alma que chora
há uma alma que ri...

Na altura pensei em recordar ao António (é o nome do amigo) que já Platão falava nos cavalos da alma, que já os antigos hindus falavam da transmigração das almas ( o que supõe a existência de suas várias transformações) que o Livro Tibetano dos Mortos ( que foi durante muitos anos para mim um livro de cabeceira) indica logo nas primeiras páginas de que modo a alma deve buscar a luz condutora, para evitar uma reencarnação penosa - enfim, que há todo um saber arcaico, um imaginário poderoso que de repente pode surgir num conjunto de versos que ocorrem e tomam conta da nossa própria escrita, sem que saibamos logo o porquê e o como.
É essa obscura memória do que foi lido e guardado que pode, nalguns casos, como este, suscitar de repente um texto só aparentemente misterioso.
Procurando exemplos mais recentes, descubro em T.S.Eliot e Paul Celan matéria que seria ideal para epígrafe, antecedendo o meu poema, tornando-o, quem sabe, um pouco mais claro:
T.S.Eliot
"Surge da mão de Deus a alma simples..." (Animula)
Paul Celan
" Coloca então as folhas junto às almas..." (A Posse dos Sonhos)

O que quero dizer é simples: que por vezes é o comentário ou a interrogação de um outro, neste caso o meu amigo, que nos obriga ao esforço de perceber de onde veio o impulso, que razões (neste caso leituras, reflexões bem antigas) estão afinal na origem de um pequeno alinhar de versos que de repente nos surgem e passamos ao papel.

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