Wednesday, February 20, 2013

Haiku

O ferrolho da alma:
bem fechado...


Wednesday, February 6, 2013

Temas e Ideias IV

Continuo com a apresentação de temas e ideias, que podem ser sugestivos no acto de algum exercício de criação.
Neste caso proponho que se reflicta sobre o Mito de Prometeu.

O MITO DE PROMETEU

O que o fogo permitiu:
afastar os animais perigosos dos espaços onde o grupo se reunia;
iluminar as grutas e cavernas que foram os primeiros refúgios;
aquecer esses espaços;
transitar para fora de espaços mais agrestes e erguer outros, cabanas de madeira,
por ex. que os animais já não atacariam;
cozinhar os alimentos, o que ajudava à sua preservação;
nalguns casos, quando tal era o costume, incinerar os cadáveres;
e mais:
forjar as armas, e quaisquer outros instrumentos de utilidade prática;
derreter os metais e trabalhar ornamentos: colares, pulseiras, broncos.

Dominar o fogo  era adquirir um poder que até então só se atribuía aos deuses:
nasce o mito de Prometeu que sera castigado por Zeus (deus do relâmpago e do trovão).
Leia-se o poema de Goethe (trad. João Barrento)

Prometeu
Cobre o teu céu, ó Zeus,
De vapores de nuvens!
E ensaia, como um rapaz
Que decapita cardos,
As tuas artes em carvalhos e cumes!
A minha terra, essa
Tens de deixar-ma,
E a minha cabana,
que não construiste,
E o meu lume,
Cujo fogo
Me invejas.
….
Quando eu era criança,
Sem saber que pensar nem que fazer,
Voltava para o Sol os olhos
Perdidos, como se lá em cima houvesse
Um ouvido para o meu lamento,
Um coração como o meu
Para se compadecer dos oprimidos.
….
Eu, venerar-te, Para quê?
Aliviaste tu alguma vez
As dores dos que sofrem?
Alguma vez secaste as lágrimas
Dos angustiados?
E quem forjou em mim o Homem,
se não o Tempo todo poderoso
E o Destino eterno,
Senhores de ti e de mim?
….
Aqui estou eu, criando Homens
À minha imagem,
Uma estirpe igual a mim,
Que sofra e chore,
Goze e se alegre,
E não te respeite,
Como eu.


Neste poema Goethe, com subtileza, descreve o caminhar do Homem que, da infância primordial ascende a uma alta consciência de si mesmo – através do poder de emancipação que a descoberta do fogo lhe concedeu. Os deuses, ou o dues lá do alto nada é, em nada ajuda o ser humano, e é um logro julgar que através de oferendas a figuras inexistentes, vazias de sentido, alguma coisa do destino humano se pode modificar.
Estamos no século XVIII, com os Iluministas (cultores da Razão esclarecida) que fazem deste mito a sua bandeira, o suporte da sua doutrna de emancipação.
É o século dos Enciclopedistas franceses (Voltaire, Diderot, entre outros) e dos novos conceitos que estarão na base da franco-maçonaria e da futura Revolução de 1789.

Este grito de revolta da alma – que não deseja peias de espécie nenhuma, deseja  ser livre e afirmar-se igual ao criador, despertará sobretudo o entusiasmo dos Românticos do século XIX.

No antigo relato da origem do mito Prometeu é descrito como tendo criado o primeiro homem a partir de um bocado de argila misturado com água. Para não deixar a sua criatura desprotegida rouba ao sol uma faúlha do seu fogo e de regresso à terra oferece o fogo aos homens, que entretanto se tinham multiplicado.
Para se vingar, Zeus envia aos mortais Pandora, com a sua caixa de malefícios, e quanto a Prometeu prende-o no alto do monte Caucaso, onde durnte séculos uma águia viria comer-lhe o fígado, que logo se refazia, causando-lhe um sofrimento sem fim. Mais tarde sera perdoado, e é Hércules que mata a águia com uma das suas flechas. 

Para a psicanálise do fogo, elemento por excelência de transformação e transmutação ( o chumbo em ouro, nos alquimistas….) ler Gaston Bachelard, A Psicanálise do Fogo, cap.VII, “o fogo idealizado”: fogo e pureza.





Sunday, February 3, 2013

Temas e Ideias III


Alegoria / Parábola – considerações sobre o género

Uma parábola, tal como uma alegoria, é um pequeno texto ( que pode ser ou não oriundo de tradição oral) que contém uma lição.
A lição é uma matéria de conteúdo ético (moral) alusivo a comportamentos individuais ou sociais, ou de conteúdo religioso.
Regra geral subtil, para que o próprio tire a sua própria conclusão, pode ter um carácter mais poético, ou mais filosófico, na sua expressão.
A Bíblia, sobretudo no Novo Testamento, pela boca de Jesus falando aos discípulos, contém imensas parábolas, indicando comportamentos éticos a seguir: é o caso, entre tantas outras, da parábola dos vinhateiros homicidas (Marcos.12); a parábola do semeador (Lucas.7), de que darei o exemplo:
“Reunindo-se uma numerosa multidão que de cada cidade vinha até ele, Jesus falou em parábola:
‘O semeador saiu a semear sua semente. Ao semeá-la, uma parte da semente caiu ao longo do caminho, foi pisada e as aves do céu a comeram.Outra parte caiu sobre a pedra e, tendo germinado, secou por falta de humidade. Outra caiu no meio dos espimhos, e os espimhos, nascendo com ela, abafaram-na. Outra parte, finalmente, caiu em terra fértil, germinou e deu fruto ao cêntuplo’. E, dizendo isso, exclamava: ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!”
Encontramos mais exemplos de parábolas em Lucas, como a do bom samaritano (Lucas.10 ), ou ainda, com outra desgnição, mas significando o mesmo, “ditos”, como os “Dois ditos sobre a lâmpada” (Lucas.11):
‘Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la em lugar Escondido ou debaixo do alqueire, e sim sobre o candelabro, a fim de que os que entram vejam a luz(…) Por isso vê bem se a luz que há em ti não é treva”….etc.

O que interessa, quanto ao género literário, é que parábolas, alegorias, ditos – são formas universais que encontraremos em todas as culturas, tal como os mitos e lendas de que já nos ocupámos em parte. 
Assim como nas parábolas atribuídas a Jesus pelos seus discípulos encontramos uma lição de comportamento e vida, iremos encontrar nas alegorias medievais, apresentadas sob formas teatrais incipientes, modelos de educação cristã: há muitas alegorias sobre os mandamentos, sobre os pecados capitais, a luta de Anjos ou diabos pela alma do homem, etc.

O exemplo que vou dar de uma alegoria oriental como a de Tchouang-Tseu não é mais do que uma variante, que neste caso apresenta dois conceitos: de rapidez, ou de velocidade que hoje em dia são até muito discutidos como razão profunda para o stress de vida e a desorientação que causa, em todos os domínios, político, social, cultural, pessoal...
Tchouang-Tseu

Uma pequena parábola que, como tantas outras reflexões deste filósofo taoista, merece a nossa atenção, é aqui traduzida da edição francesa da Pléiade, PHILOSOPHES TAOISTES, Lao-tseu, Tchouang-tseu, Lie-tseu, 1980.

A parabola é antecedida de uma série de perguntas que um discípulo faz ao Mestre:
“- Mestre com quem haveis aprendido o Tao?
-Aprendi-o com o filho da escrita; este com o neto da leitura; esta com a iluminação; esta com a atenção continuada; esta com o esforço penoso; este com o cântico; este com a escuridão profunda; esta com o vazio supremo; este com o sem-princípio".

Nesta sucessão se apresenta o fio condutor que leva o estudioso, o filósofo, à suprema Via ( o Tao), ao supremo conhecimento que  só a alguns poderá ser concedido.
Noutro momento veremos outro filósofo, Lao-tseu afirmar, no Tao Te King (poema LXX):
“ Os que me compreendem são muito raros.
 Por essa razão sou eu mais estimado”. 

Passemos então à misteriosa parábola, com que se encerra o conjunto das meditações filosóficas de Tchouang-tseu:

“O soberano do mar do Sul chamava-se Rapidamente; o soberano do mar do Norte chamava-se Subitamente; o soberano do Centro chamava-se Indistinção. Um dia Rapidamente e Subitamente encontraram–se no país de Indistinção, que os tratou com grande benevolência.Rapidamente e Subitamente quiseram recompensar o seu bom acolhimento e disseram: ‘ o homem tem sete orifícios para ver, ouvir, comer, respirar. Indistinção não tem nenhum. Façamos esses furos’. Metendo mãos à obra, fizeram-lhe um buraco por dia. No sétimo dia Indistinção morreu”.
(ed. Pléiade, p.142)

A reflexão que nos é pedida não é fácil: o que significam esses reinos de Rapidamente e Subitamente?
E o reino de Indistinção? Situado ao Centro?
E por que razão ao receber características que não tinha, como neste caso as próprias do ser humano,– este soberano morre em vez de ficar mais poderoso, como os outros julgavam? 
O que há no Centro e na Indistinção que é tão perfeito que não pode (não deve ) ser alterado?
E muito menos por impulsos como o da rapidez e do instantâneo?
Poderemos equiparar estes sete dias que supostamente seriam de criação de um novo soberano aos sete dias da criação de que se fala no Génesis? 
E sendo assim a criação de algo que retirou a vida e as criaturas do Vazio Primordial,
(O Centro da Indistinção, o Sem-Fundo de que falam místicos  como Meister Eckcart no século XIV ou   Boehme no século XVII, entre outros) terá sido um erro, já sem emenda?
O que nos ensina a filosofia taoista em comparação com os sistemas ocidentais conhecidos?
Ficam as perguntas, aguardam-se as respostas.

Nas respostas que surjam estará contido o segredo do Tao como via de perfeição absoluta, aquela que é dita não ter nome, pois já ter um nome seria limitação. O Tao não tem nome porque nele cabem todos os nomes.
Mas isto seria já mudar de filósofo e de texto, passando para os poemas do célebre Tao Te King. 





Temas e Ideias II

Aristóteles será sempre um bom primeiro passo para discutir géneros literários - seu futuro moderno e modernista rompimento - e sobretudo a universalidade da matéria mítica que nos apresenta e constitui a base do nosso imaginário colectivo: através das suas reflexões iremos ler Eurípides, meu preferido, e os outros grandes, como Sófocles ou Ésquilo.


ARISTÓTELES, Poética
Com Aristóteles estamos no século IV a.C.
Já se conhecia a obra de Platão, com o seus diálogos, atribuídos a Sócrates, que teria sido o grande filósofo –fundador do pensamento ocidental.
Na Poética Aristóteles sistematiza o que se entende ser a Arte, Arte como Imitação, e os diferentes géneros e seus meios de estruturação e expressão, a saber:
 a Tragédia, a Comédia, a Epopeia.
Paremos a reflectir na definição de Arte, que no seu texto é referida como POESIA (do grego Poiesis, significando Criação; isso permite que se refira esta Poesia como Arte, em geral, se quisermos alargar a outros domínios da criação).
“Poesia é imitação”
Imitação de quê : imitação do real, imitação do imaginário, sendo então esta imitação igualmente uma projecção do nosso mundo consciente ou inconsciente?
O conceito de real: a realidade objectiva, do meio social, cultural, politico, mítico – neste caso da Antiguidade Clássica? Os mitos faziam parte de um mundo que projectava o próprio mundo dos humanos, tendo os deuses e heróis as mesmas qualidades e defeitos de que os humanos padeciam. 
Na Epopeia narrava-se, na tragédia ou na comedia expunham-se tais realidades ao mesmo tempo divinas e humanas.
De que modo se imitava?
Imitava-se com ritmo e harmonia (quer sonora, na música ou na poesia, que era cantada) quer na dança ( aí a exigência era feita aos movimentos do corpo) quer nas acções expostas em palco cada qual com sua linguagem própria.
Pela imitação, nessas diversas formas, o que se exprimia?
Exprimiam-se as acções, os comportamentos, os sentimentos e emoções quer de carácter mais nobre e elevado ( como faz Homero na Ilíada e na Odisseia) quer mais próximos da verdadeira natureza humana (como faz Eurípedes nas suas tragédias), de que As Bacantes ou Medeia são os melhores exemplos.

Vemos então que a Arte como Imitação conduz, ou pode conduzir (ou deve conduzir?) ao conhecimento: do mundo (ou seja dos outros, da sociedade em geral, daí a dimensão política e de intervenção que pode assumir), dos outros e sobretudo de nós mesmos: como criadores, no acto de criação, ou como espectadores ou apreciadores da arte de que nos sentimos próximos.
Assim se coloca - pela Arte – o problema do Conhecimento: criar é conhecer, ou dar a conhecer.

Chega-se ao conhecimento pela Interrogação: a arte interpela o real : o nosso e o dos outros: o objectivo e o subjectivo (por mais recôndito que seja ou que pareça)
Podemos sair daqui facilemente para a nossa época, e escolher, por exemplo, as Interrogações de Alice, pela mão inspirada de Lewis Carroll (Alice no País das Maravilhas)
 ou pela mão angustiada de Franz Kafa, no (Processo ou na Metamorfose)
em vários poemas de F.Pessoa ortónimo 

Temas e Ideias - I
Leituras
Pediu-me um dos alunos uma lista de autores para ler (com tempo…)

Homero, Ilíada e Odisseia
Aristóteles, Poética
Eurípides, as Tragédias (ex. As Bacantes)
Dante, O Paraíso
Dom Dinis, Cantigas de Amigo (Lírica Medieval Portuguesa)
Padre António Vieira , Sermões; História do Futuro
Rosário Sá Coutinho, Mulheres Aventureiras (pequenas biografias romanceadas de mulheres da História de Portugal)
Cervantes, D.Quixote

Jonathan Swift, As Viagens de Gulliver
J.W. Goethe, Werther; Afinidades Electivas; Wilhelm Meister; Fausto I e II (trads. de João Barrento)
Contos dos Irmãos Grimm
Consiglieri Pedroso ( Contos Populares Portugueses )

Almeida Garrett
Eça de Queirós 
Fernando Pessoa
Almada Negreiros

Tolstoi ( Guerra e Paz)
Rainer Maria Rilke
George Orwell (1984)
Virginia Woolf
Franz Kafka
Thomas Mann (A Montanha Mágica; Morte em Veneza)
Hermann Hesse

Proust, (Em Busca do Tempo Perdido)
Marguerite Duras
Marguerite Yourcenar
Gabriel García Marquez (Cem Anos de Solidão) 

José Cardoso Pires
Sophia de Mello Breyner
Virgílio Ferreira
Miguel Torga
Jorge de Sena
Agustina Bessa Luís

José Saramago ( Memorial do Convento; O Ano da Morte de Ricardo Reis)
Helder Macedo
Maria Velho da Costa
António Lobo Antunes
Mário Cláudio
Lídia Jorge
Miguel Sousa Tavares (Equador)
Rui Zink , O Anibaleitor
A Instalação do Medo

 Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, pelo universal interesse que mantém!



Temas e Ideias

Com tempo irei colocando aqui matéria que foi objecto de estudo e discussão num cursinho que dei outrora, de Escrita Criativa.
Aos alunos competia o maior e mais difícil exercício: o de reagir, escrevendo, aos temas que foram propostos. Com total liberdade, aceitação ou recusa, mas forçando a mão menos habituada e a mente mais preguiçosa a esse esforço, a esse treino, de quem queira ser um dia escritor.